AVELAR, Romeu de. Coletânea de poetas alagoanos. Rio de Janeiro: Edições Minerva, 1959. 286 p. ilus. 15,5x23 cm. Exemplar encadernadoAVELAR, Romeu de. Coletânea de poetas alagoanos. Rio de Janeiro: Edições Minerva, 1959. 286 p. ilus. 15,5x23 cm. Exemplar encadernado bibl. Antonio Miranda
CARRO DE BOI
Geme, geme docemente
Esse cantor das estradas.
Abrindo os olhos do dia
Nas lágrimas do seu gemido,
Ele canta a alvorada
Em bemóis e sustenidos.
Carro de boi, rodas de pau
Solfejam de fá a si
Nas claves de fá e sol,
Vibrando em doces acordes
O canto do rouxinol.
Carro de boi, o lendário,
Herança da casa-grande,
Suspirando no trabalho
Em arpejos melodiosos
Que imitam a Ave Maria
De Schubert e de Gounod.
O suave tom dos gemidos
Que parte dos corações
Dos paus das nossas florestas,
Ecoando na amplidão,
Criavam novas sonatas
Bordadas de emoção.
Carro de boi, criação
Do gênio do boiadeiro,
Vibrando cordas sensíveis
Nos eixos sentimentais
Iguais às dores da vida
E às tormentas do vento.
Carro de boi, langoroso,
Pedaço de eixo vibrante
Que suspira na cantiga
Levando o eco bem longe
Ás portas dos chapadões,
A despertar o sertão
Da ânsia canicular.
Carro de boi, inspiração
Do lirismo musical,
Que dá acordes sem dedos,
Que imita o violino,
Que canta sem ser garganta
A não ser a do próprio pau
Que se chama sicupira,
Donde suspira o cantar!
Carro de boi, sentimento,
Agonia da própria alma,
Gemendo com a tristeza,
Cantando com a alegria.
E assim, durante o dia,
Na sua faina dorida
Canta, canta sem cessar.
Mas um dia ele parou;
Emudeceu; não maia gemeu;
Quebrou-se o eixo da vida
Deixando assim de cantar.